terça-feira, 1 de novembro de 2011

Psicopatologia

       A psicopatologia é a ciência que estuda as anormalidades psíquicas do ser humano. É descrita como uma visão das patologias mentais fundamentada na fenomenologia (no sentido da psicologia das manifestações da consciência), em oposição a uma abordagem estritamente médica de tais patologias, buscando não reduzir o sujeito a conceitos patológicos e enquadrando-o em padrões baseados em pressupostos e preconceitos para formular, mais tarde, os quadros nosológicos.

       A psicopatologia importa-se fundamentalmente com a forma de cada função psíquica, sendo que os seus “conteúdos” têm uma importância secundária. Exemplificando, podemos dizer que a forma de um livro é aquilo que faz com que reconheçamos que se trata de um livro, isto é, a essência deste objecto; e o conteúdo é aquilo que define tal livro, ou seja, sua mensagem.

       Resumiremos a seguir três das principais funções psíquicas e suas anormalidades mais frequentes nas diversas síndromes psiquiátricas.

Consciência
       A consciência é a capacidade neurológica que nos permite captar o ambiente e orientar de forma adequada, é estar lúcido. A consciência pode ser considerada do ponto de vista psiquiátrico, como um processo de coordenação e de síntese da actividade psíquica.

       "É uma actividade integradora dos fenómenos psíquicos, é o todo momentâneo que possibilita que se tome conhecimento da realidade naquele instante." (Rosenfeld, 1929).

        Podemos considerar a consciência como uma das funções psíquicas com a qual estabelecemos contacto com a realidade, através do qual tomamos conhecimento directo e imediato dos fenómenos que nos cercam.

       Podemos ter alterações "fisiológicas" da consciência, como o sono, sonho, hipnose e cansaço, que são normais em indivíduos saudáveis.

       As anormalidades da consciência podem ser classificadas como quantitativas ou qualitativas. Nas alterações quantitativas, há uma variação do nível de consciência, ou seja, da clareza com que os fenómenos psíquicos são vivenciados. O indivíduo apresenta fala, pensamento e emoções que dificilmente podemos entender, confunde percepções, não consegue fixar a sua atenção e geralmente está desorientado. Já as alterações qualitativas referem-se a variação de amplitude do campo de consciência. Um exemplo de uma alteração qualitativa, é o estado crepuscular, onde há um estreitamento do campo da consciência. Neste estado, o paciente parece ter perdido o elo com o mundo exterior, quase não fala e age como se estivesse psiquicamente ausente. O estado crepuscular pode estar presente em algumas doenças como a epilepsia e a histeria.

       Se desenhássemos uma escala para as alterações quantitativas, ou seja, para a diminuição do nível de consciência, esta seria da seguinte forma: inicialmente teríamos o indivíduo lúcido, passando depois para um estado de sonolência, da sonolência este poderia ficar em torpor ou obnubilação, sendo que na obnubilação teríamos um conteúdo anormal na consciência, e, de qualquer um destes dois estágios, o paciente passaria para o estado de coma.

                Resumidamente, poderíamos considerar somente:

  • Estreitamento: é a redução quantitativa e qualitativa da consciência, havendo um conteúdo menor e uma selecção sistemática dos temas. Normalmente ocorre nas manifestações histéricas (nas dissociações) e nos estados crepusculares (na epilepsia).
  • Entorpecimento: diminuição ou perda da lucidez e da vigília, fazendo com que a atenção dificilmente se forma ou se mantém. Ocorre em situações de febre, acidente vascular cerebral, traumatismo crânio encefálico, etc.
  • Obnubilação: é a diminuição da lucidez (como no entorpecimento) associado à presença de um conteúdo anormal na consciência. Este estado é geralmente acompanhado de distúrbios senso-perceptivos e do pensamento, como ocorre por exemplo no delírio.

Atenção
       Considera-se a atenção como um processo psicológico mediante o qual concentramos a nossa actividade psíquica sobre o estímulo que a solicita, seja este uma sensação, percepção, representação, afecto ou desejo, a fim de fixar, definir e seleccionar as percepções, as representações, os conceitos e elaborar o pensamento. Resumidamente, podemos considerá-la como a nossa capacidade de concentração, que pode ser espontânea ou activa e que é um processo que depende do estado de ânimo e das condições gerais do psquismo.

       É importante notar que a atenção não é uma função psíquica autónoma, visto que ela encontra-se vinculada à consciência. Por exemplo, o indivíduo que está em obnubilação geralmente encontra-se com alterações ao nível da atenção, apresentando-se hipervigil. Contudo, um paciente em torpor se encontra hipovigil.

       Sem a atenção a actividade psíquica seria como que um sonho vago, difuso e contínuo.

      Segundo Alonso Fernández, ao concentrar a atenção escolhemos um tema (um objecto, uma acção, um lugar, uma palavra, etc.) no campo da consciência e elevamos este ao primeiro plano da mesma, mantendo este tema rigorosamente perfilado, sem se deixar desviar pelas influências dos sectores excêntricos do campo da consciência, mas podendo sempre modificar o tema escolhido com toda a liberdade.

       Distinguem-se duas formas de atenção: a espontânea (vigilância) e a activa (tenacidade). No primeiro caso ela resulta de uma tendência natural da actividade psíquica para se orientar para as solicitações sensoriais e sensitivas, sem que seja necessária a intervenção de um propósito consciente. Já a atenção activa, ou voluntária, é aquela que exige um certo esforço no sentido de orientar a actividade psíquica para determinado fim.

       As alterações da atenção desempenham um importante papel no processo de conhecimento. Em geral, estas alterações são secundárias e decorrem de perturbações de outras funções, das quais depende o funcionamento normal da atenção. A fadiga, os estados tóxicos e diversos estados patológicos determinam uma incapacidade de concentrar a atenção.

       Hipoprosexia: é a diminuição da atenção, ou o enfraquecimento acentuado da atenção em todos os seus aspectos. É observada em estados infecciosos, embriaguez alcoólica, psicoses tóxicas, esquizofrenia e depressão. Pode ocorrer por:

  • falta de interesse (deprimidos e esquizofrênicos)
  • défice intelectual (oligofrenia e demência)
  • alterações da consciência (delírio)

       Os estados depressivos são geralmente acompanhados por uma diminuição da capacidade de concentrar a atenção como um todo. No entanto, têm aumento da concentração activa para temas depressivos (hipertenacidade).

  • Hipotenacidade: diminuição da atenção "activa".
  • Hipertenacidade: aumento da atenção "activa"
  • Hipovigilância: diminuição da atenção "passiva"
  • Hipervigilância: "distratibilidade", ou aumento da atenção "passiva"
  • Hipervigilância e Hipotenacidade: ocorrem nos casos de mania.
  • Hipovigilância e Hipertenacidade em temas depressivos: ocorrem nos casos de depressão.


Orientação
       "Complexo de funções psíquicas em virtude das quais temos consciência, em cada momento de nossa vida, da situação real em que nos encontramos", ou seja, é a capacidade que temos de nos situar, em relação a nós e ao mundo, no tempo e no espaço. É bastante complexo e exige a inter-relação entre vários dados psíquicos. A orientação requer actividades mentais como o instinto, percepção, memória, atenção e inteligência. Alterações nestas actividades mentais podem levar à graus variados de desorientação.

        Orientação autopsíquica: relativa ao próprio indivíduo, ou seja, à capacidade de se identificar: saber quem é, nome, idade, nacionalidade, profissão, estado civil, etc.
       Orientação alopsíquica: relacionada com o tempo e o espaço, ou seja, à capacidade de estabelecer informações correctas acerca do lugar onde se encontra, tempo em que vive, dia da semana, do mês, etc.

       As desordens destes dois estados são chamadas de desorientação autopsíquica e alopsíquica, respectivamente. Estas alterações dependem estritamente do tipo de perturbações das funções psíquicas a que se acham subordinadas a orientação no tempo, no espaço e sobre si próprio. Em geral, a desorientação ocorre de modo gradual, inicialmente em relação ao tempo, depois ao espaço e a última a ser alterada é a autopsíquica. Os tipos de desorientação distinguem-se ainda em três outras formas:

       Desorientação apática: decorrente de alterações da vida instinto-afectiva. O indivíduo está lúcido e percebe com clareza e nitidez o que se passa no mundo exterior, porém há falta de interesse, inibição psíquica ou insuficiente energia psíquica para a elaboração de percepções e do raciocínio. O indivíduo percebe o ambiente porém não forma um juízo sobre a sua própria situação. Ocorre com frequência em esquizofrénicos crónicos e em quadros depressivos.
       Desorientação amnésica: relativa ao bloqueio dos processos mnésicos. Incapacidade do indivíduo em fixar acontecimentos (memória) e consequentemente, incapacidade de se orientar no tempo, espaço e em relações com outras pessoas. Pode ocorrer em pacientes com quadros dementes.
      Desorientação delirante: produzida por perturbações do juízo de realidade, devido à presença de falsos conteúdos (ou conteúdos anormais) no campo da consciência. Pode ocorrer em pacientes que estão psicóticos: na esquizofrenia, na mania e depressão psicótica. Os esquizofrénicos com desorientação delirante geralmente apresentam, também, dupla orientação.
       Dupla orientação: permanência simultânea da orientação verdadeira ao lado de uma falsa, ou seja, o mundo real sincronizado com o mundo psicótico, como ocorre em esquizofrénicos. Por exemplo, um paciente orientado em termos de tempo e lugar que acredita estar no inferno ou numa prisão.
       Desorientação com turvação da consciência: aqui a pessoa encontra-se desorientada pois está com comprometimento do nível de consciência. Ocorre no delírio, causado devido ao álcool (delirium tremens) ou por doenças físicas e/ou medicamentos.
       Desorientação oligofrénica: A pessoa está com alteração do nível de orientação pois este não possui inteligência para correlacionar ambientes, pessoas, dias, etc. Pode ocorrer em casos de deficiência mental.

Bibliografia:
- Karl Jaspers,J. Hoenig,Marian W. Hamilton General Psychopathology. John Hokins Ed. 1977 e Chicago University.
- NOBRE DE MELLO AL - PSIQUIATRIA . 3a. Ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1979.
- NUNES P, BUENO JR e NARDI AE - Psiquiatria e saúde mental. São Paulo: Editora Atheneu, 1996.

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