A
psicopatologia é a ciência que estuda as anormalidades psíquicas do ser humano.
É descrita como uma visão das patologias mentais fundamentada na fenomenologia (no sentido da psicologia das
manifestações da consciência), em oposição a uma abordagem estritamente médica de tais patologias,
buscando não reduzir o sujeito a conceitos patológicos e enquadrando-o em
padrões baseados em pressupostos e preconceitos para formular, mais tarde, os
quadros nosológicos.
A
psicopatologia importa-se fundamentalmente com a forma de cada função psíquica,
sendo que os seus “conteúdos” têm uma importância secundária. Exemplificando,
podemos dizer que a forma de um livro é aquilo que faz com que reconheçamos que
se trata de um livro, isto é, a essência deste objecto; e o conteúdo é aquilo
que define tal livro, ou seja, sua mensagem.
Resumiremos
a seguir três das principais funções psíquicas e suas anormalidades mais frequentes
nas diversas síndromes psiquiátricas.
Consciência
A
consciência é a capacidade neurológica que nos permite captar o ambiente e orientar
de forma adequada, é estar lúcido. A consciência pode ser considerada do ponto
de vista psiquiátrico, como um processo de coordenação e de síntese da actividade
psíquica.
"É
uma actividade integradora dos fenómenos psíquicos, é o todo momentâneo que
possibilita que se tome conhecimento da realidade naquele instante."
(Rosenfeld, 1929).
Podemos
considerar a consciência como uma das funções psíquicas com a qual
estabelecemos contacto com a realidade, através do qual tomamos conhecimento
directo e imediato dos fenómenos que nos cercam.
Podemos
ter alterações "fisiológicas" da consciência, como o sono, sonho,
hipnose e cansaço, que são normais em indivíduos saudáveis.
As
anormalidades da consciência podem ser classificadas como quantitativas ou
qualitativas. Nas alterações quantitativas, há uma variação do nível de
consciência, ou seja, da clareza com que os fenómenos psíquicos são
vivenciados. O indivíduo apresenta fala, pensamento e emoções que dificilmente
podemos entender, confunde percepções, não consegue fixar a sua atenção e
geralmente está desorientado. Já as alterações qualitativas referem-se a
variação de amplitude do campo de consciência. Um exemplo de uma alteração
qualitativa, é o estado crepuscular,
onde há um estreitamento do campo da consciência. Neste estado, o paciente
parece ter perdido o elo com o mundo exterior, quase não fala e age como se
estivesse psiquicamente ausente. O estado crepuscular pode estar presente em
algumas doenças como a epilepsia e a histeria.
Se
desenhássemos uma escala para as alterações quantitativas, ou seja, para a
diminuição do nível de consciência, esta seria da seguinte forma: inicialmente
teríamos o indivíduo lúcido, passando depois para um estado de sonolência, da
sonolência este poderia ficar em torpor ou obnubilação, sendo que na
obnubilação teríamos um conteúdo anormal na consciência, e, de qualquer um
destes dois estágios, o paciente passaria para o estado de coma.
Resumidamente,
poderíamos considerar somente:
- Estreitamento: é a redução quantitativa e qualitativa da consciência, havendo um conteúdo menor e uma selecção sistemática dos temas. Normalmente ocorre nas manifestações histéricas (nas dissociações) e nos estados crepusculares (na epilepsia).
- Entorpecimento: diminuição ou perda da lucidez e da vigília, fazendo com que a atenção dificilmente se forma ou se mantém. Ocorre em situações de febre, acidente vascular cerebral, traumatismo crânio encefálico, etc.
- Obnubilação: é a diminuição da lucidez (como no entorpecimento) associado à presença de um conteúdo anormal na consciência. Este estado é geralmente acompanhado de distúrbios senso-perceptivos e do pensamento, como ocorre por exemplo no delírio.
Atenção
Considera-se
a atenção como um processo psicológico mediante o qual concentramos a nossa actividade
psíquica sobre o estímulo que a solicita, seja este uma sensação, percepção,
representação, afecto ou desejo, a fim de fixar, definir e seleccionar as
percepções, as representações, os conceitos e elaborar o pensamento.
Resumidamente, podemos considerá-la como a nossa capacidade de concentração,
que pode ser espontânea ou activa e que é um processo que depende do estado de
ânimo e das condições gerais do psquismo.
É
importante notar que a atenção não é uma função psíquica autónoma, visto que
ela encontra-se vinculada à consciência. Por exemplo, o indivíduo que está em
obnubilação geralmente encontra-se com alterações ao nível da atenção,
apresentando-se hipervigil. Contudo, um paciente em torpor se encontra
hipovigil.
Sem
a atenção a actividade psíquica seria como que um sonho vago, difuso e
contínuo.
Segundo
Alonso Fernández, ao concentrar a atenção escolhemos um tema (um objecto, uma
acção, um lugar, uma palavra, etc.) no campo da consciência e elevamos este ao
primeiro plano da mesma, mantendo este tema rigorosamente perfilado, sem se deixar
desviar pelas influências dos sectores excêntricos do campo da consciência, mas
podendo sempre modificar o tema escolhido com toda a liberdade.
Distinguem-se
duas formas de atenção: a espontânea (vigilância)
e a activa (tenacidade). No
primeiro caso ela resulta de uma tendência natural da actividade psíquica para
se orientar para as solicitações sensoriais e sensitivas, sem que seja
necessária a intervenção de um propósito consciente. Já a atenção activa, ou voluntária,
é aquela que exige um certo esforço no sentido de orientar a actividade
psíquica para determinado fim.
As
alterações da atenção desempenham um importante papel no processo de
conhecimento. Em geral, estas alterações são secundárias e decorrem de
perturbações de outras funções, das quais depende o funcionamento normal da
atenção. A fadiga, os estados tóxicos e diversos estados patológicos determinam
uma incapacidade de concentrar a atenção.
Hipoprosexia: é a diminuição da atenção, ou o
enfraquecimento acentuado da atenção em todos os seus aspectos. É observada em
estados infecciosos, embriaguez alcoólica, psicoses tóxicas, esquizofrenia e
depressão. Pode ocorrer por:
- falta de interesse (deprimidos e esquizofrênicos)
- défice intelectual (oligofrenia e demência)
- alterações da consciência (delírio)
Os estados depressivos são geralmente
acompanhados por uma diminuição da capacidade de concentrar a atenção como um
todo. No entanto, têm aumento da concentração activa para temas depressivos
(hipertenacidade).
- Hipotenacidade: diminuição da atenção "activa".
- Hipertenacidade: aumento da atenção "activa"
- Hipovigilância: diminuição da atenção "passiva"
- Hipervigilância: "distratibilidade", ou aumento da atenção "passiva"
- Hipervigilância e Hipotenacidade: ocorrem nos casos de mania.
- Hipovigilância e Hipertenacidade em temas depressivos: ocorrem nos casos de depressão.
Orientação
"Complexo
de funções psíquicas em virtude das quais temos consciência, em cada momento de
nossa vida, da situação real em que nos encontramos", ou seja, é a
capacidade que temos de nos situar, em relação a nós e ao mundo, no tempo e no
espaço. É bastante complexo e exige a inter-relação entre vários dados
psíquicos. A orientação requer actividades mentais como o instinto, percepção,
memória, atenção e inteligência. Alterações nestas actividades mentais podem
levar à graus variados de desorientação.
Orientação
autopsíquica: relativa ao próprio indivíduo, ou
seja, à capacidade de se identificar: saber quem é, nome, idade, nacionalidade,
profissão, estado civil, etc.
Orientação
alopsíquica: relacionada com o tempo e o espaço,
ou seja, à capacidade de estabelecer informações correctas acerca do lugar onde
se encontra, tempo em que vive, dia da semana, do mês, etc.
As
desordens destes dois estados são chamadas de desorientação autopsíquica e alopsíquica,
respectivamente. Estas alterações dependem estritamente do tipo de perturbações
das funções psíquicas a que se acham subordinadas a orientação no tempo, no
espaço e sobre si próprio. Em geral, a desorientação ocorre de modo gradual,
inicialmente em relação ao tempo, depois ao espaço e a última a ser alterada é
a autopsíquica. Os tipos de desorientação distinguem-se ainda em três outras
formas:
Desorientação
apática: decorrente de alterações da vida
instinto-afectiva. O indivíduo está lúcido e percebe com clareza e nitidez o
que se passa no mundo exterior, porém há falta de interesse, inibição psíquica
ou insuficiente energia psíquica para a elaboração de percepções e do raciocínio.
O indivíduo percebe o ambiente porém não forma um juízo sobre a sua própria
situação. Ocorre com frequência em esquizofrénicos crónicos e em quadros
depressivos.
Desorientação
amnésica: relativa ao bloqueio dos processos
mnésicos. Incapacidade do indivíduo em fixar acontecimentos (memória) e
consequentemente, incapacidade de se orientar no tempo, espaço e em relações
com outras pessoas. Pode ocorrer em pacientes com quadros dementes.
Desorientação
delirante: produzida por perturbações do juízo
de realidade, devido à presença de falsos conteúdos (ou conteúdos anormais) no
campo da consciência. Pode ocorrer em pacientes que estão psicóticos: na esquizofrenia,
na mania e depressão psicótica. Os esquizofrénicos com desorientação delirante
geralmente apresentam, também, dupla orientação.
Dupla
orientação: permanência simultânea da orientação
verdadeira ao lado de uma falsa, ou seja, o mundo real sincronizado com o mundo
psicótico, como ocorre em esquizofrénicos. Por exemplo, um paciente orientado
em termos de tempo e lugar que acredita estar no inferno ou numa prisão.
Desorientação
com turvação da consciência: aqui
a pessoa encontra-se desorientada pois está com comprometimento do nível de
consciência. Ocorre no delírio, causado devido ao álcool (delirium tremens) ou
por doenças físicas e/ou medicamentos.
Desorientação
oligofrénica: A pessoa está com alteração do nível
de orientação pois este não possui inteligência para correlacionar ambientes,
pessoas, dias, etc. Pode ocorrer em casos de deficiência mental.
Bibliografia:
- Karl Jaspers,J.
Hoenig,Marian W. Hamilton General Psychopathology. John Hokins Ed. 1977 e Chicago University.
- NOBRE DE
MELLO AL - PSIQUIATRIA . 3a. Ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1979.
- NUNES
P, BUENO JR e NARDI AE - Psiquiatria e saúde mental. São Paulo: Editora
Atheneu, 1996.
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