terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Lítiase Biliar

Muitos de nós já conhecemos ou ouvimos falar de alguém que teve “pedra na vesícula” e para além da dor abdominal intensa e do funcionamento ineficaz do tubo digestivo, ficamos sem saber muito bem o que aquela doença implica. Surgem questões como: “Donde veio a pedra? O que é a vesícula? Como é que nós estamos protegidos desta doença? Para que serve esta maquinaria toda? Porque é que algumas avós trazem as pedras num frasquinho quando voltam do hospital?

A denominação médica para o termo comummente utilizado e engraçado “pedra na vesícula” é Litíase Biliar: Litíase significa formação de cálculos, do grego lithos; e Biliar indica estar associado à Bilís. A Bilís é uma mistura líquida de um conjunto de secreções hepáticas (Água, Electrólitos - sódio, cálcio, magnésio, bicarbonatos, cloretos- e outras substâncias de degradação metabólica como a bilirrubina conjugada e ácidos biliares) que tem como função auxiliar a digestão, mais especificamente emulsionando os lípidos (envolvendo as moléculas de gordura para serem mais facilmente digeridas).
O fígado produz então a bílis e esta é acumulada na Vesícula Biliar, estrutura que funciona como um reservatório de bílis, em forma de pêra e que se situa na fosseta cística da face inferior do fígado, pelo que tem um espaço próprio por baixo do fígado para encher. No seu devido momento a vesícula biliar irá contrair-se e libertar o seu conteúdo para o Duodeno através das Vias Biliares, sendo esta libertação regulada por como a colecistoquinina ou gastrina.


Naturalmente o nosso organismo garante que não há desequilíbrios na bílis e tem na Vesícula características histológicas especificas da mucosa biliar que impedem a formação dos cálculos. Quando há alterações na composição da bílis e se apresenta uma concentração exagerada de um dos componentes (como por exemplo o cálcio) ou na eventualidade de ocorrer um processo fisiopatológico que altere a sua mucosa biliar (o revestimento interno protector) da Vesícula, podem formar-se os cálculos, através de fenómenos de nucleação e precipitação, ocorrendo a Litogénese. Estes cálculos (as vulgares “pedras”) são cálculos de colesterol ou cálculos pigmentares, consoante a sua natureza química. Apesar desta diferenciação a sua manifestação clínica é praticamente idêntica.


Com todos estes conceitos esclarecidos surge a questão: “Como é se manifestam estes cálculos depositados no individuo? Quais são os sinais e os sintomas?” Para responder a esta questão partimos da função da bílis como interveniente na digestão e correlacionamos com o conhecimento anatómico. Desde logo a Lítiase Biliar é assintomática em mais de 60% de pessoas com cálculos biliares, pelo que se deve ao facto da formação do cálculo ser gradual.


No que toca à anatomia das vias biliares ajuda pensar num tubo com obstruções de diferentes tamanhos: o seu calibre vai diminuindo progressivamente desde a vesícula até ao duodeno e vão ocorrer alterações no fluxo. As implicações dependem das dimensões do cálculo, do local onde se fixou e do calibre desse canal. Cálculos relativamente pequenos não interferem com a função biliar nem provocam dor. Podem mais tarde aumentar e causar dor ou podem estagnar o desenvolvimento e serem assintomáticos toda a vida. Apenas existem manifestações quando o cálculo desenvolve dimensões necessárias e se deposita numa porção em que perturba a função normal.
Podemos então observar o aspecto do Fígado, anteriormente (que é como se descreve anatomicamente algo que se observa de frente) e observamos junto ao bordo anterior, aquele que se apresenta oblíquo, a vesícula biliar, a pequena bolsa verde.

Na sua segunda imagem onde vemos a face inferior, ou seja, na face que se encontra escondida neste primeira imagem, conseguimos encontrar o nosso objecto de estudo, as vias biliares e a vesícula biliar.


Por fim, observamos na terceira imagem estas estruturas separadas do fígado. Conseguimos identificar os canais hepáticos direito e esquerdo que se juntam no canal hepático (proveniente do fígado) e o canal cístico (proveniente da vesícula biliar) que formam o canal colédoco, terminando este na 2ª porção do duodeno.



Assim, um cálculo formado na vesícula biliar pode tomar diferentes tamanhos e depositar-se na própria vesícula. Pode soltar-se, e uma vez que o calibre do canal se estreita, pode interromper desde logo o canal cístico ou pode ser de dimensões mais reduzidas e chegar ao canal colédoco ou ainda percorrer todas as vias biliares e chegar mesmo ao duedeno. Em cada uma destas situações a sintomatologia será diferente.


Sintomatologia
Cólica Biliar
- Dor intensa e constante com períodos de exacerbação
- Duração: entre 1 e 24 horas
- Localização: hipocôndrio direito(região inferior às costelas direitas) e pigastro(inferiormente ao osso Esterno), com irradiações possíveis, mas não obrigatórias, para a região dorsal e escapulo-umeral homolateral(região do ombro do lado direito)
- Outros sinais: náuseas e vómitos
- Podem surgir vários episódios consecutivos
- Sintomatologia pode aliviar de forma espontânea ou devido a
terapêutica, mas a dor regressa com alguma periodicidade
- Exame objectivo: normal
Esta dor ocorre devido à distensão da via biliar, cujo canal cístico está obstruído por um cálculo. Este órgão distendido contrai-se contra o obstáculo, provocando dor. A contracção seguida de distensão que provoca, de forma reflexa, náuseas e vómitos. Dor, náuseas e vómitos são então os três sintomas que levam o doente ao médico. Pode evoluir para uma colecistite aguda.


Colecistite Aguda (inflamação da Vesícula)
- Dor constante e intensa
- Duração: persiste além das 24 horas
- Localização: hipocôndrio direito e epigastro, com irradiações possíveis,
mas não obrigatórias, para a região dorsal e escapulo-umeral homolateral
- Outros sinais: náuseas e vómitos
- Sintomatologia não é resolúvel espontâneamente nem com terapêutica médica conservadora
- Exame objectivo: febre (inflamação e infecção que advêm da presença
do obstáculo mecânico); dor à palpação abdominal no hipocôndrio
direito e que se exacerba quando o paciente inspira (o fígado desloca
com ele a vesícula biliar e esta, por sua vez, contacta com o peritoneu
parietal - sinal de Murphy - que indica comprometimento peritoneal).
Cólica biliar que não curou espontâneamente ou que não cedeu à terapêutica médica. Neste caso acrescentou-se aos sintomas de que o doente se queixava, alguns sinais de uma fase mais avançada evidenciados no exame objectivo.


Colecistite Crónica Calculosa
Situação em que o doente tem episódios consecutivos de cólica biliar e/ ou colecistite aguda. A terapêutica médica pode ser eficaz, sendo que esta é temporária e no espaço de semanas ou meses o doente volta a ter novo episódio.
Portanto são três entidades distintas, com sintomatologia diferenciada mas que se podem suceder com a evolução da doença, com o agravamento dos efeitos dos cálculos.


Coledocolitíase-Colangite
Ocorre com a deslocação do cálculo para fora da vesícula com deposição na via biliar principal, canal colédoco comum, impedindo todo o fluxo da bílis, proveniente directamento do fígado ou acumulada na vesícula. A Coledocolitíase-Colangite pode ser causada também por tumefacções neoplásicas que obstruam o canal colédoco. Tem como manofestações:
- Dor de aparecimento súbito
- Localização: hipocôndrio direito e epigastro, com irradiações possíveis,mas não obrigatórias, para a região dorsal e escapulo-umeral homolateral
- Outros sinais: náuseas e vómitos (pelo mecanismo de dilatação da víscera oca)
- Icterícia Obstructiva
- Colúria – coloração especialmente escura da urina que se deve ao aumento da presença de bilirrubina conjugada e solúvel; em casos de icterícia muito extrema, pode ir até à coloração do vinho do porto
- Fezes acólicas – a obstrução do colédoco impõe o impedimento do ciclo normal enterohepático da bílis e da chegada da bílis ao tubo digestivo, o que dá origem à acolia das fezes (fezes muito claras) por ausência de pigmentação, sendo que esta pigmentação se deve em grande parte aos metabolitos que o tracto gastrointestinal recebe através da bílis


Métodos complementares de diagnóstico
Para auxiliar o Médico no diagnóstico existem exames laboratoriais que corroboram Litíase e os seus processos inflamatórios associados. Ao contrário de muitas outras situações, não se pode recorrer apenas à clínica, e tem que se recorrer aos exames complementares de diagnóstico, não
apenas laboratoriais mas também imagiológicos. Uma análise sanguínea poderá então apresentar:
- Leucocitose
- Aumento da PCR
- Discreta hiperbilirrubinémia (inferior a 4mg/dl)
- Ligeiro aumento da fosfatase alcalina e da gama GT
- Amilasémia
Estes achados significam então um processo inflamatório activado, acompanhado por uma actividade hepática aumentada.


Métodos Imagiológicos:


Raio X simples do abdómen - evidencia os cálculos radiopacos constituídos por depósitos de cálcio.
Ecografia Abdominal (hepato-bilio-pancreática) – é o mais importante exame imagiológico uma vez que é altamente sensível e especifico. Comprova a presença dos cálculos e da sua localização exacta. É importante para o diagnóstico uma vez que o médico poderá avaliar a resposta inflamatória envolvida, através da medição do espessamento da vesícula.
TAC abdominal – Permite a visualização pancreática e ultrapassa as limitações da ecografia, no caso de se verificar a presença de gás intra-abdominal e obesidade mórbida.
CPRE (Colangio Pancreatografia Retrógrada Endoscópica - A CPRE serve como um exame auxiliar de diagnóstico e como um gesto terapêutico. É realizada utilizando um endoscópio semelhante ao utilizado para efectuar a
Endoscopia. Permite visualizar o obstáculo e, se for necessário, retirá-lo.

A terapêutica deve incidir desde logo no alívio dos sintomas e pode ser conseguida através do repouso intestinal e das glândulas anexas. Deve-se hidratar bem o doente e efectuar antibioticoterapia de largo espectro, uma vez que devido ao fluxo diminuído de bílis (estase) pode haver uma colonização e infecção da Vesícula e vias biliares.
Por fim, e respondendo à questão inicial, acerca das “pedras da vesícula” que muitas pessoas trazem de recordação dum internamento hospitalar, temos a terapêutica de eleição: a Colecistectomia, que significa um procedimento cirúrgico de primeira linha, por via laparoscópica (minimamente invasivo e através duma pequena incisão no umbigo) ou pela via aberta para se retirar a vesícula biliar e os cálculos ou tumefacções neoplásicas, melhorando o fluxo biliar. Após a excisão da vesícula, não há perdas de função significativas para o doente a longo prazo.
Bibliografia

GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 11ª ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed., 2006
HARRISON´S, Principles of Internal medicine. MacGraw Hill Pub
ROBBINS, S. L.; COTRAN, R. S. & KUMAR, V. Patologia estrutural e funcional. 6.ed.Rio de Janeiro,Guanabara Koogan, 2000

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